Artigo 09/04/2025

Vaticano S.A.: uma AGE para eleger o novo Papa

Por Juliana Schincariol para Infomoney

De tempos em tempos, Hollywood, Netflix e até a TV Globo se debruçam sobre histórias — reais ou fictícias — de sucessões turbulentas, disputas por poder, fusões mal resolvidas, fraudes e escândalos corporativos. Blue Jasmine, Billions, Succession, O Lobo de Wall Street e A Grande Aposta são exemplos que prendem a atenção até de quem, no dia a dia, passa longe dos assuntos do mercado. Os jogos de poder, afinal, são universalmente fascinantes, incluindo aqueles que acontecem no Vaticano.

A princípio, não é esperado que um filme que retrata os bastidores da escolha do novo Papa possa também ser uma metáfora sobre sucessão, liderança e governança corporativa. Mas está tudo lá em Conclave, que levou o Oscar de melhor roteiro adaptado em 2025.

No filme, acompanhamos uma assembleia de cardeais com diferentes perspectivas teológicas, interesses regionais e ambições pessoais. O novo nome precisa ser escolhido por pelo menos dois terços do grupo, conhecido como “quórum qualificado”. O processo retratado pelo filme envolve a construção de coalizões, negociações estratégicas e interesses conflitantes dos mais de 100 religiosos envolvidos no processo. Qualquer semelhança com os desafios de lideranças em operações de fusões e aquisições ou em disputas por cadeiras em conselhos de administração não é mera coincidência.

O cardeal Lawrence (Ralph Fiennes) é o decano responsável por conduzir essa assembleia geral extraordinária e precisa navegar por esses interesses diversos e, ao mesmo tempo, manter a integridade do processo. O personagem guia suas ações a partir de uma visão clara: escolher alguém capaz de conduzir a Igreja diante dos desafios modernos.

No Brasil, estamos em plena época de assembleias gerais ordinárias (AGOs) nas companhias abertas. Somente entre as empresas que compõem o Ibovespa, mais de 400 assentos em conselhos de administração serão eleitos ou renovados até o final de abril. Embora completamente diferentes do processo de escolha de um novo Papa, essas assembleias guardam algo de um “conclave particular”.

Algumas situações podem até ter momentos que chegam a ser eletrizantes, pelo menos para quem acompanha as assembleias de perto: é o caso dos advogados envolvidos, os acionistas interessados e os jornalistas em busca de bastidores. Não são incomuns a inclusão de candidatos em cima da hora ou decisões judiciais que suspendem as reuniões, além da expectativa pela contagem de votos em uma disputa acirrada pelo voto múltiplo.

Conclave ajuda a escancarar o que está muitas vezes diluído no jargão técnico das assembleias e nos relatórios de governança: o processo de escolha de líderes é também uma forma de revelar as estruturas de poder de uma organização. Em um ambiente ideal, conselhos de administração devem ser compostos por nomes que combinem diversidade de pensamento, experiência técnica e independência. Mas na prática, como mostra o filme, os bastidores dessas escolhas envolvem articulações políticas, construção de alianças e disputas silenciosas por influência. A temporada de AGOs no Brasil, portanto, é mais do que uma formalidade prevista no calendário corporativo. É o momento em que se define os rumos da liderança e a capacidade de uma companhia de lidar com o presente e se preparar para o futuro, com orientação do conselho.

Em meio a tantos interesses divergentes — de acionistas de referência, fundos ativistas, investidores institucionais e conselheiros independentes —, a escolha de cada nome carrega simbolismos, alianças e expectativas que não ficam muito atrás das manobras vistas na Capela Sistina cinematográfica. A ficção ajuda, inclusive, a lançar luz sobre o que muitas vezes passa despercebido: a sucessão não é apenas sobre quem assume, mas sobre como e por quem essa escolha é conduzida. Sem spoilers, eu diria que o que faltou na história foi uma bela diligência dos candidatos. Mas se isso acontecesse, não haveria história para o filme, nem mesmo para essa coluna.