Artigo 06/02/2024

Conselheiro independente líder tende a crescer no Brasil

Por Larissa Caetano

Embora comum no exterior há alguns anos, a figura do conselheiro independente líder é novidade entre as companhias brasileiras, e ainda restrita a pouquíssimas empresas. É o caso da Vale, que em junho de 2023 anunciou o nome de Ollie Oliveira para o cargo. Além da gigante da mineração, a locadora de carros Localiza elegeu esse representante, conhecido lá fora como ‘lead independent director’. Na empresa mineira, o escolhido para assumir o posto foi Paulo Antunes Veras.

Antes delas, em 2020, a GranBio, uma empresa de biotecnologia que pretendia fazer um IPO (oferta pública de ações), escolheu a conselheira Sandra Guerra para assumir o cargo. Fundadora da consultoria Better Governance e com larga experiência em governança corporativa, Guerra contou ao Boardwise como essa tendência deve ser adotada no Brasil nos próximos anos. Para ela, ainda que de maneira gradativa, mesmo empresas com controlador definido devem eleger um ‘lead’ em algum momento. Confira os principais trechos da entrevista:

Boardwise: Qual é a importância do conselheiro independente líder?

Sandra Guerra: A figura do “lead independent director” é fundamental quando há predominância de conselheiros não independentes ou quando a presidência do Conselho é ocupada por um membro não independente. Este conselheiro assegura aos demais stakeholders da companhia que os seus interesses são considerados nos processos de decisão do Conselho, de forma transparente.

Muitas vezes, o processo de escolha do CEO é muito orientado pelo acionista controlador. Então, o conselheiro independente líder também assegura esse processo de escolha isenta, mesmo quando há uma situação em que o executivo tem uma situação mais delicada em relação ao presidente do Conselho.

Muitas vezes, há assuntos em que o acionista controlador pode ter benefícios, então é preciso assegurar que seja adotada uma política de conflito de interesses. O ‘lead’ garante que o melhor interesse da empresa será considerado.

Boardwise: E como funciona essa dinânima no exterior?

Guerra: Há grandes empresas no exterior em que a atuação do presidente do Conselho é tão intensa que ele acaba tendo um envolvimento muito cotidiano com o time executivo. Nessa situação, se entende que esse ‘chariman’ acaba perdendo um pouco a isenção em relação à diretoria. O conselheiro independente líder também tem o papel de assegurar essa independência do Conselho em relação ao management.

Talvez o papel mais conhecido do ‘lead’ seja justamente na interação com investidores institucionais. Há também um olhar mais independente da empresa, fornecida não apenas pelo presidente do Conselho ou pela diretoria. Os conselheiros independentes também se valem muito do ‘lead’ porque muitas vezes ficam com certo desconforto com certos temas, em relação ao processo de tomada de decisão de alguma transação ou iniciativa.

A presença de um líder pode trazer esse tema que está na tela de preocupações dos independentes para a pauta do Conselho. É recomendado que o líder tenha reuniões separadas ocasionalmente com os demais conselheiros independentes fora todo o resto.

Boardwise: Como acredita que a prática deva se estender para as outras companhias brasileiras?

Guerra: Vimos a adoção por uma corporation no Brasil, que é a Vale, mas que tem um acionista de referência com relações fortes com a companhia. A mesma coisa é a Localiza, que também tem acionistas de referência.

Eu vejo a migração da figura do ‘lead’ para outras empresas, mesmo com controlador, ao perceberem o benefício que isso pode trazer, dando mais conforto aos investidores minoritários. O ‘lead independent director’ tem poder influenciar a pauta do Conselho, e esse é um fator fundamental.

Os investidores internacionais ão querem apenas que se nomeie um ‘lead independent director’, eles querem que essa figura tenha uma função claramente definida e que tenha capacidade de influenciar a pauta do Conselho.

Boardwise: Pode haver um aumento da presença do ‘lead’ em outras empresas brasileiras?

Guerra: Vejo uma adoção gradativa. Normalmente, uma empresa se motiva sobre certa tendência quando outra companhia a adota, com benefícios. Esse tipo de iniciativa acaba sendo, algumas vezes, uma resposta à pressão de investidores ou para atender um certo desconforto que a empresa sente que os seus investidores têm em relação à atuação do Conselho. O ‘lead’ é uma resposta que diz: “Calma, fiquem tranquilos, há uma pessoa eleita que tem autoridade para fazer certos papéis e que se preocupa com vocês”.