Artigo 02/01/2024

Como atuar em Conselhos internacionais

A busca por diversidade nos Conselhos das companhias também passa pela diversificação geográfica. Empresas multinacionais buscam, cada vez mais, ter representantes de seus mercados em seus ‘boards’. A brasileira Anelise Lara é um exemplo bem-sucedido de conselheira que atua em companhias internacionais.

Depois de 35 anos de carreira na Petrobras, a executiva passou a buscar oportunidades como conselheira de empresas na área de energia, seu foco de atuação. Surgiram as primeiras oportunidades em posições no Brasil, mas logo começou a ser procurada por executivos de empresas no exterior.

Hoje, Lara faz parte do ‘board’ da empresa inglesa Trident Energy e do Conselho global da TotalEnergies, com sede na França. No Brasil, atua no Conselho de Administração de um fundo do Mubadala Capital Downstream Brasil e no Conselho Consultivo do Grupo Ultrapar, no Brasil. Atua também como Conselheira do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) e da Women Leadership in Latin America (Will).


Nesta entrevista ao Boardwise, a conselheira compartilha sobre sua experiência internacional e como chegou lá. Confira:


Boardwise: Como foi o processo para ingressar nestas companhias?

Anelise Lara: Diferentemente das posições executivas, em que a seleção por meio de headhunters é o principal processo de recrutamento, no caso de Conselhos, o networking é muito mais valorizado e as indicações muitas vezes são feitas por pessoas que te conheceram na função executiva e admiravam seu trabalho. Existem posições em Conselhos em que os processos são feitos por headhunters, mas não são a maioria. Por isso, manter uma boa relação com os principais headhunters que atuam na sua área também é importante.

Boardwise: Há alguma dificuldade em ser uma conselheira estrangeira?

Anelise Lara: A língua pode ser um limitador quando você precisa apresentar claramente sua posição sobre determinada pauta. Em geral, são assuntos mais complexos e delicados, que podem exigir uma capacidade maior de comunicação. No exterior, os Conselhos adotam a língua inglesa mas ajuda muito se você souber a língua do país-sede da empresa. Tirando essa questão de língua, acho que atuar em Conselhos no exterior ou no Brasil, as dificuldades são as mesmas.

Boardwise: Como é a sua rotina como conselheira?

Anelise Lara: Procuro estar sempre muito sintonizada com os assuntos relacionados à área de energia, tanto no Brasil como globalmente. A demanda maior de trabalho aparece na época das reuniões em que a pauta é definida e os materiais são divulgados para leitura e análise. Isso ocorre cerca de uma semana antes da reunião do Conselho. A periodicidade das reuniões varia conforme a empresa. Excepcionalmente, são realizadas reuniões extraordinárias para discutir algum assunto urgente. Isso é comum, por exemplo, nas pautas de aquisições e desinvestimentos que tem um cronograma muito específico.

Boardwise: Quais são os temas mais relevantes discutidos pelos conselhos no exterior?

Anelise Lara: Atualmente, no meu caso, é a agenda de transição energética, descarbonização e mudança climática. Existem várias rotas que podem trazer benefícios do ponto de vista da redução da pegada de carbono, mas quais rotas serão as mais interessantes tanto do ponto de vista tecnológico e econômico? Como avançar nesta agenda sem prejudicar a segurança energética que hoje é fortemente dependente da produção de óleo e gás? São cenários complexos e que estão cada vez mais próximos. O ano 2030 será importante na avaliação da evolução da transição energética, visando o NetZero em 2050, conforme previsto no Acordo de Paris. Como vamos chegar lá? Isso passa também pela gestão de risco, no caso do climate litigation.

Boardwise: Há algo que empresas no Brasil precisam se espelhar?

Anelise Lara: No Brasil, muitas decisões empresariais são postergadas ou mesmo inviabilizadas por falta de regulação, segurança jurídica e incerteza quanto ao cenário político do país. Isso acaba tornando as empresas brasileiras reféns do que acontece em Brasília. Ao meu ver, esse é o “calcanhar de Aquiles” para a evolução dos negócios e do país. O problema não é apenas das empresas. Trata-se de uma questão de amadurecimento da sociedade como um todo.

Boardwise: O engajamento de investidores é algo mais desenvolvido no exterior. Acha que o tema vai crescer no Brasil?

Anelise Lara: Com certeza. No caso de uma corporation, esse engajamento se dá através de reuniões frequentes com os principais investidores. Membros do Conselho também são convidados a participar dessas reuniões com investidores. No caso de empresas de capital fechado, muitas vezes os acionistas principais têm assento no Conselho da empresa e atuam diretamente nas principais decisões a serem tomadas.

Hoje se fala muito na geração de valor não só para os investidores, mas para todos os stakeholders (investidores, empregados, sociedade, governo, meio ambiente ). É o capitalismo dos stakeholders, também chamado de “capitalismo consciente”, em que as organizações procuram criar valor a longo prazo, considerando as necessidades de todas as partes interessadas e a promoção do bem-estar social. Os negócios não se limitam aos lucros, à geração de renda e de empregos, mas também agregam valores relacionados à qualidade de vida da sociedade. Os conselheiros têm que estar atentos a esses anseios da sociedade também para garantir a perenidade da empresa onde atuam.

Boardwise: Lá fora os conselhos são mais diversos do que no Brasil?

Anelise Lara: Tanto no Brasil como no exterior há uma preocupação das empresas em ter uma maior diversidade em todos os níveis de hierarquia das empresas, inclusive nos Conselhos. Mas, nesta área de energia, os conselhos ainda são majoritariamente formados por homens. Eu sou a única mulher em todos os demais conselhos onde atuo, com exceção da TotalEnergies. A TotalEnergies é um benchmarking nesta área pois conta com 45% de mulheres e tem sete nacionalidades diferentes. Eu sou a única representante do Sul Global.

Boardwise: Como acredita que o tema vai se desenvolver por aqui?

Anelise Lara: Acho que o tema da diversidade também faz parte da agenda das principais corporações no Brasil, mas ainda numa velocidade muito lenta. Segundo o IBGC, as mulheres representam menos de 15% de membros de Conselhos de empresas brasileiras. E no caso da diversidade não podemos pensar apenas em gênero, mas também em raça, cultura. Precisamos estar atentos e evitar que esses vieses predominem.

Boardwise: Como a experiência no exterior pode fazer a diferença para um conselheiro no Brasil?

Anelise Lara: Participar de um Conselho no exterior é uma experiência única, agrega um conhecimento mais amplo e diversificado, além de fornecer muitos insights interessantes sobre os negócios de determinada área, num contexto mais global. A comunicação hoje facilita muito o aprendizado e a difusão do conhecimento em todas as áreas, mas nada substitui a experiência que se adquire ao participar de um conselho internacional. Principalmente no caso de uma empresa que tem uma atuação global.

Boardwise: Quais passos devem ser seguidos por quem também deseja seguir uma carreira internacional em conselhos?

Anelise Lara: Trabalhar muito, ser reconhecida na sua área de atuação e manter um networking global. Eu reconheço que o desafio é maior para as mulheres que, em geral, não estão habituadas a manter um networking nem no país onde atuam. Mas posso dizer que isso é fundamental. Participar de associações e entidades profissionais na sua área de atuação também contribui para este networking. Durante a maior parte da minha carreira na Petrobras eu fui voluntária na SPE (Society of Petroleum Engineers). Atuei como Presidente da Seção Brasil e fui Diretora Regional da América Latina e Caribe. Atuando pela SPE, participei da coordenação de vários eventos no Brasil e no exterior.

Contribuir para que jovens mulheres avancem nas suas carreiras e estejam onde quiserem é uma das minhas paixões hoje. Faço parte do Conselho da WILL e sou filiada ao WCD (Women Corporate Director) que têm o propósito de incentivar a liderança feminina em todas as áreas existentes, inclusive no topo das organizações e dos países. A WCD foi fundada nos EUA em 2001 e hoje está presente em 40 países e reúne uma comunidade de 2.500 conselheiras servindo em cerca de 8.500 empresas públicas e privadas em todo o mundo.