Artigo 18/06/2025

Quanto ganha o homem mais rico do mundo?

Por Juliana Schincariol para Infomoney

Perguntei ao chat GPT o que dá para fazer com US$ 55 bilhões. “É possível fazer quase tudo”, me respondeu a máquina. Recebi alguns exemplos: construir um milhão de escolas, comprar a General Motors, investir em mais de 500 startups ou comprar 100 mil apartamentos de luxo em Nova York. Praticamente um dinheiro infinito.

Esse foi justamente o valor do pacote de remuneração de Elon Musk aprovado pela Tesla em 2018 — e que acabou anulado no ano passado por um tribunal de Delaware, nos Estados Unidos. Ao classificar o processo como ‘falho e injusto para os acionistas’, o juiz anulou a cifra bilionária e expôs as fragilidades do sistema de governança da empresa.O entendimento foi de que não houve negociações reais sobre a aprovação do pacote e que informações aos acionistas foram insuficientes.

A decisão judicial não encerrou a polêmica. Pelo contrário: reacendeu o debate global sobre como — e quanto — se deve pagar a um CEO com o perfil e o poder de Musk. O caso virou referência (e alerta) para empresas como Axon, Palantir e até startups que adotaram modelos semelhantes de remuneração baseada em metas de longo prazo.

O futuro do pagamento de Musk está em aberto. A Tesla designou um comitê especial para avaliar um novo pacote de compensação. O grupo formado por duas conselheiras estuda formas alternativas de reconhecer o trabalho do executivo. Segundo a mídia americana, qualquer novo plano dependerá do cumprimento de metas financeiras, operacionais e de ações, em linha com as tendências de “pay for performance”.

Em paralelo, a empresa recorreu da decisão de Delaware, alegando múltiplos erros legais na sentença que anulou a compensação. Também não definiu data para sua próxima assembleia geral de acionistas ou sequer divulgou as propostas a serem analisadas. Seria um sinal de que o conselho busca uma solução para remunerar o homem mais rico do mundo sem trair os princípios da boa governança? Ainda não temos essa resposta.

Enquanto isso, o episódio acende um alerta para outros países, como o Brasil, onde a transparência sobre a remuneração de executivos ainda é limitada. Casos como o de Musk reforçam a importância de uma governança robusta, capaz de equilibrar inovação, liderança e prestação de contas aos investidores.

Por muitos anos, prevaleceu por aqui a justificativa de "segurança pessoal" para impedir a divulgação de remunerações individuais, argumento central de uma liminar obtida pelo IBEF-RJ. Apesar de frágil, vigorou por anos até ser derrubada em 2018. Foi um passo importante, mas ainda insuficiente. A política de remuneração das empresas ainda é alvo de pouco escrutínio.

Em artigo publicado no Valor Investe, o presidente da Amec, Fábio Coelho, destacou que apenas uma pequena parcela das empresas realmente criou valor para seus acionistas — e, mesmo assim, muitas mantiveram pacotes generosos para seus executivos, com salários fixos elevados, bônus de curto prazo e metas pouco exigentes. Ele aponta a existência de estruturas frágeis de governança, com comitês de remuneração pouco técnicos, subordinados à gestão e sem autonomia para questionar as propostas. Em contraste, empresas com desempenho consistente tendem a adotar metas mais rigorosas, mecanismos de incentivo bem calibrados e conselhos mais independentes. Para Coelho, o ponto de partida é a transparência: sem informações claras, nominais e acessíveis, os acionistas votam “às cegas” — e as empresas correm o risco de comprometer sua sustentabilidade no longo prazo.

A discussão sobre a remuneração de Elon Musk - ou qualquer outro executivo - não se trata de mera curiosidade sobre o salário alheio, nem de uma tentativa rasa de julgar se uma cifra é “imoral” ou não. Trata-se de entender como o dinheiro de uma empresa é alocado, quais incentivos estão sendo criados para seus líderes e que tipo de cultura organizacional isso promove.

Esses fatores impactam diretamente o desempenho da companhia, suas decisões estratégicas e até seus produtos e preços. Mesmo quem não é acionista pode ser afetado: um consumidor de carros elétricos da Tesla, por exemplo, pode sentir na prática as consequências de uma liderança movida por metas de curto prazo, por decisões arriscadas ou por uma gestão desalinhada com os interesses de longo prazo da empresa e da sociedade. A forma como uma empresa remunera seus líderes diz mais do que os números: revela o que ela valoriza e para onde está indo.