Liberum Ratings estuda incorporar práticas de governança em ratings de FIDCs
Em meio a um cenário financeiro complexo, a Liberum Ratings estuda a incorporação de práticas de governança corporativa nos ratings de crédito do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), uma iniciativa pioneira no setor. Para Maurício Bassi Rincón, sócio-fundador da Liberum Ratings, essa medida reforça a transparência e a sustentabilidade das operações financeiras no Brasil. Além disso, a tendência é que as empresas façam captações mais baratas. Para o investidor, a assimetria de informações será menor.
O assunto faz parte do dia a dia e da experiência de Rincón. Ao longo da carreira, o executivo desenvolveu ratings de governança corporativa para grandes brancos. Agora, explora como seria a aplicação nos FIDCs. "Sempre nos atentamos à governança corporativa. O tema já é ponderado implicitamente em nossos ratings. A avaliação da governança é muito importante para a sustentabilidade dos produtos", diz ele.
Confira os principais trechos dessa conversa, que também contou com Marcelo de Aquino, analista de risco da Liberum Ratings.
Boardwise: Por que a Liberum decidiu criar um rating de Governança?
Maurício Rincón: Queremos incluir critérios de governança corporativa nos ratings de crédito que emitimos. Somos especializados em FIDCs, principalmente de grandes escritórios. Não é o momento de fazermos um rating de governança corporativa exclusivamente de um fundo. A ideia é que o rating de crédito incorpore primeiro, de forma descritiva, as práticas de governança dos agentes envolvidos neste mercado. É o caso, por exemplo, do consultor de crédito originador, do administrador ou do gestor, se o regulamento do fundo reflete aqueles princípios de uma cota boa. Em um primeiro momento, vamos descrever e, depois, vamos estudar a possibilidade de ponderar essa nota diretamente na classificação de risco de crédito.
Boardwise: Em que fase está este projeto?
Maurício Rincón: Chamamos atenção para itens de governança no relatório. Visitamos as partes, conhecemos o mercado. Falamos com o consultor originador, como é a governança dele, do mercado como um todo e do regulamento.Estamos identificando as práticas, mas não vamos ponderar, por enquanto, até obter conhecimento do nível de governança gerado no mercado. Vamos supor que não dê para ponderar a classificação, porque isso vai mexer muito nas notas. Pode ser que façamos um rating de governança corporativa à parte, que não seria incorporado ao rating de crédito. O que seria mais interesse é que fosse incorporado no rating de crédito, porque impactaria realmente. Geralmente os ratings de governança ou ESG vem ao lado do rating do crédito, mas não impactam no rating de crédito. Estamos começando a divulgar nos novos relatórios questões de governança do produto e das partes relacionadas. Não é um teste, já estamos fazendo. Isso vai nos dar informação para podermos testar qual é a viabilidade de ponderar isso ou dentro do rating de crédito ou fora. Na minha visão utópica, deveria impactar na nota, porque teria fatores que aumentam ou diminuem sua nota, mas temos que ver como isso evolui
Boardwise: Por que decidiram criar este rating pioneiro nos FIDCs?
Maurício Rincón: Eu trabalhei bastante no começo aqui no Brasil, estudei bastante o caso. É importante que o fundo tenha a sua governança, porque tem cotistas que têm direitos diferenciados. Até que ponto os direitos estão equilibrados? O investidor tem que se preocupar com isso, nem só pela taxa, porque na hora do “vamos ver”, o outro pode ter mais direitos que ele, e isso pode impactar na remuneração dele a longo prazo, então cabe governança. Cabe governança também em avaliar as empresas que originam créditos para esse fundo. Sempre nos atentamos a isso. A governança é muito importante para a sustentabilidade do produto. Por outro lado, somos membros do PRI (Princípios para o Investimento Responsável), que tem um grupo de trabalho que foca em agências de ratings e em governança corporativa. Também temos compromisso com esse grupo.
Marcelo de Aquino: Não avaliamos somente uma parte. Com certeza a governança está atrelada aos principais riscos do setor, então não dá para gente fechar os olhos e avaliar.
Boardwise: Para quem o rating é dedicado e qual é a importância de se obter este selo?
Maurício Rincón: Para quem contrata, se estiver um rating, vai agregar bastante valor. Para o investidor também é, porque tem muitos critérios de governança. Para o investidor, é muito importante saber a governança das partes envolvidas no fundo que ele está aplicando, para ver se há sustentabilidade, se a coisa se mantém de pé. Por exemplo, para quem vai investir em um fundo ou em um ativo de crédito que tenha 7, 10 anos, uma debênture, então é bom saber se a empresa é sustentável, porque daqui a 5 anos vai poder pagar? Vai ter fator de governança que possa impactar na capacidade de pagamento dela? É bom para quem tem boas práticas para expor essas práticas e serem precificadas pelo mercado. Quem adere e sabe que isso tem importância, vai precificar. Para o investidor é bom, porque ele vai entender mais um fator de sustentabilidade da empresa. Sustentabilidade da empresa é receita estável, perene e crescente, ela é mercado, mas ela também é governança. Governança é a cabeça da empresa, então para investir é importante saber, a longo prazo, se essa empresa vai ser sustentável ao ponto de estar em condições de pagar a dívida que assumiu com o investidor.
Boardwise: Na prática, as emissões podem ficar mais baratas?
Maurício Rincón: Sim, eu acredito que sim, se ponderar na nota com certeza sim. Mas, tem que ver o nível de maturidade do investidor. Nós fazemos avaliação para diminuir a assimetria de informação em termos de governança, ou ESG para as outras empresas, entre originador, devedor e investidor. Quando você diminui a assimetria de informação, a princípio o custo de captação cai ou ele aumenta em função do que é descoberto. Se entendermos que não há informação escondida, o investidor tem mais clareza com o ativo que está comprando, e isso vai mexer na precificação para baixo. Tudo que diminui a assimetria de informação diminui o custo de captação, então acredito que sim, vai ser bom para ambas as partes, porque a empresa vai captar mais barato e vai acessar outros investidores que se interessam por esse tipo de critério, e para o investidor vai diminuir a assimetria de informação.
Boardwise: Lá fora, este tipo de rating é mais utilizado? Como é a experiência internacional?
Maurício Rincón: Lá fora existe, sim. Muitas vezes acompanham. Os green bonds acho que têm que ter, que são as emissões verdes, vêm acompanhadas de ratings de governança qualitativo, de fora. Ele não é ponderado na nota, rating de crédito, mas vem no relatório.
Boardwise: Para vocês, qual é o papel do 'G' dentro da sigla ESG?
Maurício Rincón: Eu acho que o 'G' permeia tudo. Acho que é o mais importante, porque o 'G' é como se toma a decisão, como se orienta a empresa, como estrutura a empresa para cumprir 'S' e 'E'. É a cabeça, então uma empresa com boa governança vai se interessar por essas questões, porque ela entende que fazem parte da sustentabilidade. Se não tiver governança, é uma empresa que não tem cabeça. Como você vai estruturar o 'E' e 'S' se você não tem cabeça (governança)? A governança é a estrutura mental da empresa, como cérebro. Para mim, tem muita importância.
Marcelo de Aquino: O 'G' é a raiz. O 'G' não é um tema atual, ele é um tema desde sempre. É impossível abrir uma empresa sem governança. É impossível qualquer coisa. O 'E' e 'S' vêm mais de agora, é algo muito bacana, mas ainda em desenvolvimento. Já o 'G' a gente sabe que todas as crises, momentos políticos mais embaçados, envolveram fraquezas de governança.
*A Liberum Ratings está entre os clientes da Ânima Comunicação em Governança.