Artigo 17/07/2025

Da assembleia ao conselho: a trajetória de um representante de minoritários

Por Juliana Schincariol para Infomoney

Quando se pensa na atuação de advogados no mercado de capitais, a imagem mais comum ainda é a de especialistas em contratos, estruturação de M&As ou em disputas societárias e regulatórias. Ter conselheiros com formação jurídica não é novidade, mas o que acontece quando é um advogado atuante, vindo da prática forense e societária, que passa a integrar o conselho?

Quem responde é Daniel Alves Ferreira, advogado com mais de duas décadas de experiência em direito societário e contencioso, e conselheiro em companhias como Eletrobras, EMAE, além de Cemig e Renova Energia. "Sempre fui advogado de escritório. O universo do conselho me abriu uma nova dimensão sobre a governança, os negócios e as relações entre os acionistas", afirma.

Sócio do escritório que fundou após 24 anos no Mesquita Pereira, Ferreira levou para os conselhos a bagagem acumulada em anos de representação de investidores não residentes, chegando a participar de até 80 assembleias no mesmo dia, em uma verdadeira maratona.

“O mercado era mais simples, e a participação de acionistas não controladores ainda era incipiente. Quando chegávamos em uma assembleia, era comum a companhia perguntar por que aquele acionista estava ali”, lembra.

O perfil societário foi se transformando, e o mercado acabou se acostumando com a presença do escritório representando fundos não residentes. Em seguida, vieram os fundos locais. E, por fim, as indicações diretas de membros para os conselhos de administração.

Foi justamente essa experiência que o colocou no radar de acionistas relevantes, o que o levou a assentos como o da Cemig em 2016, além de atuação em momentos decisivos com a representação de minoritários na história do mercado de capitais brasileiro.

O papel do advogado nos conselhos

"Não acho que todo conselho precise ter um advogado. Mas toda companhia deveria ter um advogado de confiança bem próximo do colegiado", diz o especialista. Em empresas com acionistas controladores complexos, como Eletrobras, Plascar ou EMAE, a presença jurídica se torna mais relevante. "Você precisa de alguém que entenda o funcionamento da CVM, dos votos dissidentes e do risco de decisões mal fundamentadas."

Na Eletrobras, por exemplo, sua indicação foi parte de um esforço deliberado para fortalecer o departamento jurídico da companhia após a privatização. “O jurídico vinha de um histórico de descaso. Em 2022, criamos uma comissão de assuntos jurídicos no conselho justamente para provocar esse fortalecimento, e hoje o jurídico da Eletrobras caminha para ser uma referência no país”, destaca.

Mediação, escuta e responsabilidade

Daniel não se define como um conselheiro profissional. “Eu advogo. Atuo no conselho quando sou chamado para contribuir com uma determinada situação.” O que leva, segundo ele, a uma atuação com propósito, e não como recompensa. “Precisa ver o perfil de quem está entrando. Tem gente que vai por propósito, outros por interesse. O olhar jurídico, quando autêntico, ajuda a evitar problemas futuros.”

Além do conhecimento técnico, o advogado destaca o papel do conselheiro como mediador. “Meu perfil é mais negociador. Em companhias como a Kepler Weber, fui chamado justamente para trazer esse tom mais dinâmico e construtivo. É preciso saber escutar, estudar antes das reuniões, reconhecer que não se sabe tudo.”

Governança: responsabilidade, convivência e confiança

A experiência em múltiplos conselhos também ensinou que governança eficaz depende não só de regras fortalecidas, mas também de relacionamentos concretos.“Nos melhores conselhos em que atuei, havia cumplicidade entre os membros. Se um dizia que algo podia não ser bom, os outros confiavam e respeitavam. É isso que forma decisões colegiadas de verdade.”

Ferreira acredita que esse modelo pode e deve ser fortalecido no mercado brasileiro. Mas alerta: “Conselho não é palco para disputa de narrativas nem espaço para buscar vantagem. É lugar de responsabilidade. E isso, quem tem um viés jurídico comprometido com o coletivo, sente na pele.”