Artigo 17/09/2025

Conflito de interesses sem estigma: menos moral e mais método

Por Juliana Schincariol para Infomoney

Conflito de interesses não é uma falha moral e sim uma situação em que dois ou mais interesses não podem coexistir no mesmo contexto. Acontece em conselhos, na alta gestão, entre áreas e também no cotidiano de qualquer pessoa. Normalizar esse fenômeno tira a conversa do terreno das pessoas e a leva ao campo dos interesses. O debate deixa de soar como acusação e passa a ser desenho de soluções. Essa é a tese de Patricia Palomo em “Conflito de interesses- no limite da ética”, obra que propõe remover o estigma sobre o tema.

Patricia trata do assunto a partir da vivência profissional, com mais de vinte anos no mercado financeiro. Em passagens por bancos, gestoras, corretoras e consultorias, sempre encontrou conflitos que influenciavam a tomada de decisão. Viu de perto como o tema ganha conotação negativa quando se tenta abordá-lo de forma aberta e estruturada. “Ao longo desse tempo, eu coletei situações em que o conflito muitas vezes era enxergado como algo personalizado. Ao tentar conversar com alguém sobre uma situação de conflito de interesse, a pessoa levava para o pessoal”, afirma. A experiência mostrou que a dificuldade não está em admitir que conflitos existem e sim em criar espaço seguro para nomeá-los, entendê-los e redesenhar processos para que decisões se tornem melhores.

Segundo a autora, conflitos de interesses não se extinguem. Eles existem e continuarão a existir. O que a gestão consegue mitigar são os desfechos indesejados que podem surgir dessas tensões. Para isso é preciso voltar ao processo decisório e identificar em que ponto um incentivo ficou incorreto ou descalibrado e empurrou a organização para uma ação com resultado que ninguém deseja. O ajuste começa ao nomear o incentivo que está fora de prumo, segue ao recalibrar recompensas e responsabilidades e termina ao verificar se as escolhas voltaram a produzir efeitos compatíveis com os objetivos da empresa e também com a vida prática de quem decide no âmbito pessoal e familiar.

Quando conflitos são ignorados ou ficam ocultos criam curto-circuito na governança. Distorcem incentivos, corroem a credibilidade diante de públicos de interesse, aumentam a chance de erros e adoecem equipes. O problema se manifesta em diferentes planos dentro de uma mesma organização. Conselhos podem carregar interesses particulares que atravessam decisões estratégicas. Executivos podem omitir alertas por autopreservação. Áreas comerciais e de risco perseguem objetivos legítimos que por natureza entram em tensão. Um conselheiro que depende financeiramente da cadeira tende a ter menor liberdade para contrariar a maioria.

A resposta está menos na retórica e mais na arquitetura. Políticas genéricas não bastam. “É necessário mapear onde surgem os conflitos, registrar ocorrências, tornar explícitos os incentivos que movem cada agente e estabelecer métricas de qualidade de decisão”, afirma Patricia . Além disso, são necessários comitês com mandato claro, documentação acessível, canais de escuta que realmente funcionem e avaliações periódicas. Essas práticas reduzem a opacidade e melhoram o aprendizado institucional. “A ética continua essencial, porém processo bem desenhado é o que garante previsibilidade mesmo quando os interesses se chocam”, diz.

O que interessa ao mercado é a previsibilidade de comportamento. Investidores não buscam perfeição. Organizações que tratam conflitos como questão de engenharia decisória sinalizam maturidade, tornam-se mais eficientes, preservam reputações e tendem a acessar capital a custos menores. Assim se encurta a distância entre o que o Brasil é na economia real e o que o Brasil parece na carteira dos grandes alocadores.