Artigo 26/03/2025

Litigância climática: um desafio para empresas e conselhos

Por Juliana Schincariol para Infomoney

A litigância climática contra empresas está crescendo rapidamente e se tornando uma preocupação central para os conselhos de administração. Em mercados internacionais, esse tema já figura entre os três principais riscos monitorados pelos ‘boards’. Ao mesmo tempo em que as práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) enfrentam crescentes desafios e pressões regulatórias.

Historicamente, a maior parte dos casos climáticos era movida contra governos. Mas essa tendência está mudando. Um relatório publicado pelo Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment da London School of Economics and Political Science aponta que cerca de 230 processos alinhados com questões climáticas foram movidos contra corporações e associações comerciais desde 2015. Segundo os dados mais recentes disponíveis, mais de dois terços foram iniciados entre 2020 e 2023, ocorrendo, inclusive, em novos países como Portugal e Panamá.

“A litigância climática está entre as principais preocupações dos conselhos de administração das empresas na Europa e é considerada um dos três principais riscos mapeados pelas companhias”, afirma Anelise Lara, executiva experiente no setor de óleo e gás e conselheira de companhias internacionais como Total e Trident Energy.

De acordo com Anelise, as organizações e a sociedade civil estão se preparando para processos judiciais cada vez mais complexos. Além disso, tribunais internacionais começam a ser chamados a deliberar sobre mudanças climáticas. Apesar de ainda representarem uma fatia muito pequena – apenas 5% dos casos – muitos deles têm grande potencial de influenciar processos nacionais.

Há alguns casos conhecidos. Em 2021, por exemplo, um tribunal holandês ordenou que a Shell reduzisse suas emissões em 45% até 2030, tornando-se a primeira empresa judicialmente obrigada a alinhar suas operações ao Acordo de Paris. A decisão considerada histórica estabeleceu um precedente relevante para outras companhias do setor de energia. Mais recentemente, em 2024, a Total Energies passa por um processo semelhante.

Outra situação que vem sendo acompanhada de perto ocorre no Peru. Há nove anos, o agricultor Saúl Luciano Lliuya processou a alemã RWE, sob o argumento de que as emissões da empresa contribuíram para o derretimento de glaciares nos Andes, ameaçando a cidade de Huaraz. Ainda não há decisão final. E, da mesma forma, pode-se configurar um importante precedente internacional.

Nesse contexto, a transição energética é um dos maiores pontos de atenção de empresas, sociedade, governos, em todo o mundo. Anelise Lara lembra que fazer essa transição enquanto a “aeronave está em voo” exige equilibrar a redução das emissões sem comprometer a segurança energética e sem elevar drasticamente os custos para os consumidores. Esse dilema global afeta diretamente a estabilidade econômica e política dos países.

A saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e a decisão de Donald Trump de retomar o impulso para combustíveis fósseis tem um grande impacto em todo o mundo. Vemos, por exemplo, o caso da Europa. O detalhamento de informações exigidas exigido pela Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD) gerou críticas e deve ser flexibilizado, visando tornar as indústrias locais mais competitivas e responder à promessa do presidente de Trump de eliminar regulamentações.

Apesar das pressões atuais, inclusive sobre as práticas ESG, não haverá retrocesso, na visão da conselheira. “Vamos passar por um período maior de transição”, acredita. As metas de “net zero” inicialmente previstas para 2050 terão que ser estendidas para 2070 ou até 2080. “Haverá consequências. Países e comunidades deverão se adaptar para os efeitos climáticos, que serão cada vez mais severos”, completa.

Os fenômenos extremos mais severos e frequentes vão exigir que os países invistam cada vez mais em adaptação às mudanças climáticas, afetando inclusive a indústria de seguros. O custo de proteção contra esses desastres tende a crescer, com impactos sobre governos, empresas e a população em geral.

Nos últimos anos, a governança corporativa evoluiu para incluir mais transparência e controle interno, e essa tendência agora se reflete na sustentabilidade. O mercado exige métricas e indicadores concretos, e as empresas precisam se adaptar a um cenário de riscos climáticos e regulatórios cada vez mais complexos. Os conselhos de administração enfrentam o desafio de equilibrar crescimento econômico, responsabilidade ambiental e segurança energética — um dos maiores dilemas estratégicos das próximas décadas.